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O ERRO E O ACASO NA PINTURA.

Marcela Figueiredo

"Cada etapa da pintura requer se despedir da camada anterior e entrar em uma nova etapa desconhecida. Essa 'entrada ao novo' pode ser muito angustiante justamente pela despedida de uma camada já adequada a si. Porém, sabemos que continuar no mesmo lugar seria permanecer em uma obra inacabada."



Coelho com brinco de pérola, pintura em processo, tinta acrílica sobre tela, Marcela Figueiredo, 2024.

 

Nossa cultura associa o erro à punição, por isso, crescemos com medo de errar. Neste ponto, a arte se transforma em uma ferramenta de contracultura ao permitir que o erro se torne uma abertura para o acaso. Quando criamos, nos deparamos automaticamente com o novo e com a possibilidade de se equivocar. Neste trajeto, nos deparamos com o aprofundamento da imagem.

Ultimamente, para entender o mecanismo de luz e sombra, tenho estudado o estilo Barroco. Com a ajuda da História da Arte, busco compreender como os artistas produziam suas obras e tento reproduzir suas técnicas.

Cada etapa da pintura requer se despedir da camada anterior e entrar em uma nova etapa desconhecida. Essa “entrada ao novo” pode ser muito angustiante justamente pela despedida de uma camada já adequada a si. Porém, sabemos que continuar no mesmo lugar seria permanecer em uma obra inacabada.

A angústia passa conforme se enfrenta e se finaliza o novo, tornando-o por fim, adequado. Para logo então, “inadequá-lo” novamente. Correntemente, durante o processo criativo, penso “caramba, estraguei tudo”. Nesse momento, gosto de pausar e deixar a tinta secar, depois, com os “olhos descansados” e mais arejada, percebo que a forma se assentou e o “estrago” até que foi bem feito.

Também há momentos em que realmente “estrago” e não resta alternativas senão me responsabilizar. Nesses momentos, geralmente descubro uma técnica nova e me surpreendo com a conquista de uma habilidade vinda do acaso.

A criação artística atua como um excelente ensaio para as relações da vida. De forma ativa enfrentamos as situações de apego-desapego que, na pintura, constituem a obra, e, na vida, constitui encarar um mundo repleto de mudanças.

Mudanças podem ser assustadoras, mas, como na pintura, são necessárias para o surgimento da forma. A pintura te diz “não desista, siga em frente” até que por fim encontre a harmonia da obra.  A vida também quer te mostrar que devemos mudar. Talvez, todos devêssemos aprender com os pintores...


Me conta aqui nos comentários o que pensa sobre o tema!

Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email: arteparaterapia@gmail.com que ele será publicado. 

Obrigada.

Sobre a autora:

Marcela Figueiredo Campbell
Psicóloga clínica e escritora dos livros: Aprendendo em seis (2014) e A garota dos olhos violeta (2018). Estagiou na Casa das Palmeiras e posteriormente foi colaboradora da atividade de contos de fada. Mestre em terapias artísticas e criativas (ISEP), na Espanha. Colaborou com as instituições AMAFE e AFAEP oferecendo oficinas de teatro e arte para pessoas com transtornos psicóticos. Também atuou em CEAR, dando oficinas de arte para pessoas em situação de refúgio. marcela.campb@hotmail.com Whatsapp: + 21 97165-7271

 

Comentários

  1. Bastante interessante vejo na pintura a óleo. Essa possibilidade de aguardar observar ,apagar ,refazer de forma que verificamos que algo que aparentemente dei errado poder ser transformado em algo belo e admirável

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  2. Obrigada pelo seu comentário! Mas saiu como anônimo. Queria saber seu nome. A pintura à óleo tem esta qualidade por demorar para secar e oferecer muitas oportunidades para se transformar a imagem. E ainda depois de seca, pode ser coberta por outras camadas. A tinta à óleo nos oferece uma experiência muito rica, embora seja pouco utilizada na arteterapia por causa do cheiro forte, entre outras dificuldades.

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