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NA ARTETERAPIA, O CLIENTE É UM ARTISTA.

Flávia Hargreaves

Neste texto compartilho com vocês minhas reflexões sobre o desenvolvimento artístico do cliente no processo arteterapêutico. Precisamos olhar pra isso com mais atenção.

Desenho com lápis de cor, Flávia Hargreaves, 2024.

Atendo público adulto e, muitas vezes, recebo pessoas que buscam na Arteterapia a possibilidade de resgatar a criança que adorava desenhar e pintar, revivendo aquele momento da vida em que CRIAR era algo natural e descomplicado.  No contexto terapêutico começam a explorar novos caminhos para se conectarem com seus sentimentos e expressá-los.

Ao longo das sessões de Arteterapia, o cliente experimenta um processo terapêutico que implica em uma prática artística, colocando literalmente a mão na massa, recordando ou fazendo coisas pela primeira vez. A Arte começa a fazer parte da rotina abrindo um novo campo de exploração e inaugurando um novo olhar para si mesmo e para o mundo ao redor. Passa a ver como um artista, valorizando coisas no seu dia-a-dia que sempre estiveram ali mas não eram percebidas. Os benefícios da Arte passam a ser visíveis e a prática artística extrapola as sessões e passa a ser uma companheira de jornada.

Vamos imaginar que o cliente nunca usou lápis de cor, mas este material o atrai e ele o escolhe para suas criações por um período. Ele mergulha na experiência do lápis de cor, compra seu próprio material e passa a desenhar e colorir com frequência. É natural que se desenvolva tecnicamente e em alguns casos vá até buscar técnicas em vídeos na internet. E é justamente neste ponto que o arteterapeuta pode patinar, porque entende que ao adquirir técnica, a expressão deixa de ser espontânea e se distancia do objetivo da Arteterapia.

Mas porque a técnica contraria a espontaneidade? Será que isto é verdade? Ou seria insegurança do profissional em relação a Arte?

Tenho clientes que mergulharam na experiência artística nas sessões se identificando com determinada linguagem/material e a medida em que se desenvolveram tecnicamente ganharam segurança para se expressar na terapia.

Agora convido vocês para uma analogia com a música. Pensa comigo, a base do Jazz é a improvisação. Você acha que a técnica atrapalha os músicos? Claro que não, a técnica os liberta. O músico estuda, se desenvolve tecnicamente mas está em um ambiente que o convida a ousar e experimentar. Podemos levar este pensamento para o desenvolvimento artístico no ambiente arteterapêutico.

Voltando ao exemplo do lápis de cor. Ao explorar a técnica, ao experimentar vários modos de usar o material, a pessoa vai descobrindo o que gosta de fazer e vai desenvolvendo a própria técnica. Ela pode ter o apoio de algum aprendizado externo, como aulas de desenho, e o cuidado do arteterapeuta será garantir que este aprendizado esteja colaborando para o reconhecimento do próprio estilo, da sua própria técnica e não um aprisionamento a uma ideia de "bom" ou "ruim" que não seja autentica.

Concluindo a minha reflexão, a técnica não atrapalha e é naturalmente desenvolvida quando o cliente mergulha no seu processo criativo, que pode extrapolar as sessões. Precisamos, como profissionais, entender que o cliente é o artista e vai viver na Arteterapia as emoções do artista, seu entusiasmo, curiosidade, frustrações e paralelamente desenvolver suas habilidades na linguagem que escolher para falar de si. Cabe ao arteterapeuta acolher e acompanhar este movimento e para dar conta do processo também terá que fazer seu dever de casa se experimentando como artista e ampliando seu repertório.


Me conta aqui nos comentários o que pensa sobre o tema!

Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email: arteparaterapia@gmail.com que ele será publicado. 

Obrigada.






Flávia Hargreaves é arteterapeuta (AARJ 402/0508), artista e professora de artes para terapia.

Graduada em Comunicação Visual (EBA- UFRJ-1989)
Licenciatura Plena em Educação Artística - Artes Plásticas (EBA-UFRJ- 2010)
Formação em Arteterapia com Ligia Diniz (2009)

Participou como docente de História da Arte nos cursos de Formação em Arteterapia (Ligia Diniz, Baalaka e Leiza Pereira) e Artepsicoterapia (Coord. Maria Cristina Urrutigaray).
Em 2017 fundou o ateliê Locus, onde oferece cursos, ateliês livres e atendimentos em Arteterapia.
Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009). 
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia. 
 

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Contato
arteparaterapia@gmail.com



Comentários

  1. Sim, essa é uma reflexão importante. O processo criativo já é curativo em si. Eu acredito que o arteterapeuta não deve inibir o fluxo criativo do cliente, nem a suas necessidades de produção estética.

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    1. Obrigada pelo seu comentário. O arteterapeuta deve facilitar este espaço de expressão sem críticas. Se puder se identificar seria legal. Os comentários estão entrando como anônimos. Mas fique à vontade.

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  2. É um privilegio poder contar com a orientação de alguém tão competente como você 💖

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    Respostas
    1. Obrigada pelo seu comentário. Vc já deve me acompanhar em outros espaços, né? Você é arteterapeuta? Se puder se identificar seria legal. Os comentários estão entrando como anônimos. Mas fique à vontade.

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  3. Sandra Pinto14/10/24 18:10

    Ótima reflexão e comparação com o Jazz. Conhecer as técnicas amplia as nossas possibilidades de expressão artística e simbólica. Durante minha formação em Arteterapia senti a necessidade de fazer aulas de desenho e pintura, e o resultado foi muito positivo para minha expressão pessoal.

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    1. Pois é Sandra, precisamos caminhar neste conhecimento e não contra ele.

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  4. Sonia Leal24/10/24 15:49

    Para mim a grande questão e cuidado é não deixar que a técnica cerceie o trabalho espontâneo. Como você disse, cabe ao arteterapeuta observar se ficam constantes termos como feio/bonito, bem feito/mal feito e outros avaliadores do produto. Também acredito que o conhecimento das técnicas pelo arteterapeuta só fortalece o seu trabalho, ganhando dimensões de observação mais profundas. Comparação com o jazz foi show!

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  5. Comentário enviado por Marcela Figueiredo Campbell (28/10/24): A sensação que é tenho é que quanto mais abraçamos nosso artista, mais fácil é sustentar o artistar do outro! Adorei o texto, Flávia! Abraço, Marcela

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