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Obras de Arte como ponto de partida para a autoexpressão.

  

por Flávia Hargreaves


Neste texto trago algumas experiências que tenho vivido no meu ateliê que podem colaborar tanto para dinâmicas de ateliê livre, aulas de arte e também como um caminho válido na Arteterapia, mantendo as especificidades de cada profissão.

Exercícios criativos realizados no ateliê.LOCUS, 2025. Laura, ref. Odilon Redon; Flávia, ref. Modigliani; Olivia, ref. Tarsila.


O desafio da folha em branco.

Você já se viu diante do cliente paralisado ao se confrontar com uma folha em branco? A ideia de ter que "criar algo do nada" pode ser assustadora. Eu vejo isso acontecer com frequência no meu ateliê, tanto em aulas quanto em atendimentos arteterapêuticos. E se não fosse necessário começar do zero? Um dos caminhos que tenho utilizado é usar referências da História da Arte, trazendo grandes artistas como um ponto de partida inspirador.

No meu ateliê incentivo os participantes a pesquisarem referências para desenvolverem suas técnicas e percebo o salto que conseguem na sua autoexpressão plástica quando enriquecem seu repertório com o estudo e observação das obras de arte.


Série inspirada em Tarsila do Amaral, Olivia, 2015.


Obras de arte como espelhos e pontes

Usar obras de arte no nosso trabalho, seja na terapia ou em aulas, não deve ser conduzido como um caminho intimidador ou incentivador do perfeccionismo. Por isso é importante a variedade de estilos e técnicas apresentadas. Essa abordagem nos convida a usar a obra de arte de outros como um espelho para refletir nossos próprios sentimentos. É um processo de diálogo: se conectar com a obra e, a partir dessa conexão, criar algo pessoal.

Recentemente, em uma manhã no ateliê, os livros de arte se tornaram o ponto de partida. Foi uma busca espontânea individual, mas que mobilizou outras participantes, seguindo o movimento criativo de cada uma. Enquanto uma se inspirou na fase "Pau Brasil" de Tarsila do Amaral, usando as cores intensas e as cenas que a cativaram, outra pessoa redescobriu os Arlequins e Colombinas na obra de Pablo Picasso e em uma imagem particular de Odilon Redon. Eu mesma, atraída pela capa de um livro de Modigliani, escolhi um de seus retratos para guiar minha própria criação.

Observando o desenvolvimento de Olívia a partir do estudo do livro de Tarsila, percebi como o colorido com o lápis de cor deixou de ser apressado. Ela conseguiu superar a sua ansiedade em terminar o trabalho e pacientemente trabalhou as camadas de cor com o lápis à medida que investigava as cores das pinturas.

Laura, que a princípio se interessara pelos retratos, resgatou personagens da commedia dell'arte, trazendo sua paixão pelo teatro para sua pesquisa de imagens e criou uma longa série de Arlequins e Colombinas explorando suas personalidades. Nesta pesquisa usou pastel oleoso em papel preto, material que a desafiou e estimulou a buscar soluções para o que considerava "erros" na imagem.

A minha pesquisa se voltou para o retrato, a partir de uma obra de Modigliani, artista cujas figuras alongadas sempre me encantaram. Fiz vários estudos com lápis e carvão e, por fim, usei pastel oleoso sobre papel preto, como Laura. Desta experiência, vivenciei a imagem que surge da escuridão e que a expressividade e a beleza que buscava estava na compreensão das relações dinâmicas entre as linhas, a geometria e as áreas de claro e escuro.

Revendo Modigliani, Flávia, 2025.


A liberdade de "copiar" para criar

Copiar uma imagem é um exercício importante na formação tradicional em Artes Plásticas e, na Arteterapia, podemos incentivar esta prática na perspectiva de estimular um olhar aprofundado em algo. A pessoa vai descobrir aspectos que não perceberia no mero folhear das imagens oferecidas. Esta observação apurada revela relações entre as partes da imagem e, aos poucos, a estrutura daquele retrato se mostra fundamental para a sua expressividade e torna visível as estratégias, racionais ou intuitivas, do artista para nos capturar. O quanto cada pessoa vai se aprofundar em determinada obra já nos mostra afinidades de estilo.

Copiar deve ser visto como uma busca, uma descoberta, um mergulho em uma obra para extrair desta experiência algo particular. O resultado desta prática são trabalhos que, embora com referências, se tornam autorais. Por uma razão muito simples: em um dado momento da pesquisa a pessoa integra o que precisa da obra original e mergulha na sua própria criação. Neste momento conquista liberdade e autonomia para criar.


Série Arlequins e Colombinas, Laura, 2025.

Na prática, como podemos fazer isso? 

Teremos modos distintos para os trabalhos presenciais e online.

  • Em trabalhos presenciais: Você pode disponibilizar reproduções impressas em diversos estilos e com temas que julgue pertinente para aquela pessoa ou grupo. Manipular estas imagens e selecionar uma para iniciar um trabalho pessoal facilita o início do processo. Isso será muito potente para um trabalho terapêutico, dinâmicas de grupo e aulas de arte.
  • Em trabalhos online: Você poderá criar um slide show lento e apresentar, compartilhando a tela, e perguntar se a pessoa se sentiu mobilizada com alguma delas. Perguntar: "De que imagem você se lembra?" E partir deste ponto para um exercício criativo. A imagem pode ser apresentada novamente, enviada para a pessoa, a dinâmica pode variar.


Agora me conta aqui nos comentários o que você pensa sobre esta prática na sua área de atuação!

Quero muito saber a sua opinião!

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Obrigada.

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Flávia Hargreaves é arteterapeuta (AARJ 402/0508), artista e professora de artes para terapia.
Graduada em Comunicação Visual (EBA- UFRJ-1989)
Licenciatura Plena em Educação Artística - Artes Plásticas (EBA-UFRJ- 2010)
Formação em Arteterapia com Ligia Diniz (2009)

Participou como docente de História da Arte nos cursos de Formação em Arteterapia (Ligia Diniz, Baalaka e Leiza Pereira) e Artepsicoterapia (Coord. Maria Cristina Urrutigaray).
Em 2017 fundou o ateliê Locus, onde oferece cursos, ateliês livres e atendimentos em Arteterapia.
Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009). 
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia. 
 
Membro fundadora do coletivo Arteterapeutas do Rio.

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Contato
arteparaterapia@gmail.com

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