por Flávia Hargreaves
Revisão de conteúdo por Regina Diniz, 2017
[publicado originalmente em 5 de abril de 2017]
Muitos já me ouviram defender a expressão espontânea e a experimentação livre dos materiais em Arteterapia, e essa questão ainda gera controvérsias, as quais também reverberam em minha prática.
No texto
"Reflexões em busca de um método" [1] (2016), escrevi:
"Busco, na maioria das vezes, a expressão espontânea a partir da experimentação livre dos materiais sem uma técnica a priori. A busca de um meio e de uma linguagem que consiga materializar melhor os conteúdos que precisam ser expressos podem variar muito. A escolha pode ser feita pela estranheza, pode ser um desafio, outras vezes movida pela segurança, pelo prazer, ... , são muitos os modos e os porquês. E é justamente por isto que a escolha do material e o modo de manipulá-lo deve estar nas mãos e na responsabilidade do cliente, cabendo ao arteterapeuta tornar isto possível."
Embora busque a expressão espontânea e
a experimentação livre dos materiais, preciso admitir que também sou diretiva.
E a questão que se coloca diante de mim é: "como equilibrar, como
reconhecer qual melhor caminho para cada situação?"
Percebo a necessidade do tempo para a
construção de uma autonomia diante da escolha dos materiais (os
meios) e de uma linguagem expressiva (os modos). É preciso
que o cliente-autor [2] se aproprie daquele espaço criativo e
se sinta confiante para se lançar em experimentações. Para tanto, será
fundamental que, nesse processo de reconhecimento, esteja sendo construído,
concomitantemente, um vínculo positivo com o arteterapeuta.
Retomando o texto "Reflexões em busca de uma método" (2016), escrevi:
"Voltando aos modos, nem sempre funciona a proposta espontânea. Algumas vezes ou em dada circunstância entendo que cabe uma proposta mais diretiva como, por exemplo, fazer uma boneca, uma colagem sobre algo, ou uma ação como quebrar, amassar, rasgar, etc. Já tive esta experiência algumas vezes com resultados surpreendentes."
Muitas vezes, especialmente no início
do processo arteterapêutico, posso assumir uma postura diretiva e proponho, por
exemplo, uma colagem de apresentação, mas não sem antes estimular a exploração
das possibilidades disponíveis no setting. Também com
frequência, o próprio cliente-autor escolhe a colagem que, segundo
ele, parece menos arriscada. Ou em um momento de crise, quando
a "raiva" precisa ser expressa, ofereço um suporte de grande
formato e resistente para que se possa pintar, esfregar, raspar, rasgar e
amassar.
Mas como estimular a busca espontânea do material expressivo?
Uma das estratégias é deixar os materiais visíveis e disponíveis, com opções básicas para colagem, desenho, pintura e, talvez, modelagem. Telas, tinta acrílica, argila, papel machê, gesso, tecidos, linhas, etc., são materiais que costumo oferecer aos poucos ou quando solicitados.Como lidar com a diversidade de materiais disponibilizada?
Esta é uma questão importante. Os materiais podem ser organizados em pequenos conjuntos, sem excessos, para que não confundam, ao invés de auxiliar.
Aos poucos, seguindo o movimento do cliente-autor,
adiciono e/ou substituo materiais, deixando próximos os habituais e trazendo
uma novidade. A autonomia vai sendo percebida, como quando, por exemplo, o cliente-autor vai
buscar na estante algo que ele já sabe que existe, mas não foi
oferecido.
Todas as linguagens (desenho, pintura, colagem, etc.) podem crescer em termos de complexidade e sofisticação dos meios e dos modos. Trabalhar com desenho, ao longo de anos, não significa paralisação ou limitação. Se olharmos pela perspectiva da arte, podemos compreender que esta é a técnica e a linguagem do cliente-autor e que ele só a mudará, quando se esvaziar de energia, quando o interesse apontar para outro caminho. Mas essa é uma outra história...
Concluindo
É preciso compreender a dinâmica própria de um ateliê e perceber, aos poucos, as sutilezas que apontam para uma intervenção pontual do arteterapeuta ou para uma atitude de observação silenciosa.
A expressão
espontânea, que inclui a escolha dos meios expressivos, e na qual acredito como
fortalecedora da autonomia do cliente-autor, segue norteando a minha prática
profissional como arteterapeuta. Reconheço, entretanto, que nem
sempre é o caminho mais eficiente para aquela pessoa, em dada situação.
Frequentemente, decido por uma atuação mais diretiva, propondo uma prática
orientada, com regras claras e materiais expressivos determinados. Embora possa
parecer contraditório, a experiência me mostra que, para explorar novas
habilidades e a flexibilidade do cliente-autor diante das situações que ele
precisa enfrentar, eu também preciso rever a minha flexibilidade e não me
deixar enrijecer pelas minhas próprias crenças centrais. Talvez, então, seja o caso de se propor
a "flexibilização” do método, em
nome do bem-estar geral do cliente-autor, desde que o fio condutor maior não
seja atingido e o norte de minha prática arteterapêutica continue sendo a
expressão espontânea e a experimentação livre dos materiais.
[1] REFLEXÕES EM BUSCA DE UM MÉTODO (nao-palavra.blogspot.com)
[2] Gostaria de usar o termo "autor" por tornar o indivíduo responsável pela sua criação, mas para não comprometer a compreensão já que o termo "cliente" é o mais utilizado, optei por usar um termo híbrido: "clliente/autor".
Me conta aqui nos comentários o que pensa sobre o tema!
Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email: arteparaterapia@gmail.com que ele será publicado.
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia.
Comentários
Postar um comentário