O texto que se segue é um convite à reflexão sobre o uso da colagem na Arteterapia, articulando o conhecimento da Arte com as práticas terapêuticas, trazendo mais perguntas do que respostas, na intenção de ampliar nossa percepção sobre essa prática.
Boa leitura.
Flávia Hargreaves
[texto publicado originalmente no artes.locus em 28/09/2015, atualizações 13/10/21]
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sobre a colagem na arte e na arteterapia
por Flávia Hargreaves
A colagem é uma técnica/linguagem muito utilizada em Arteterapia, sendo, com frequência, um dos primeiros trabalhos sugeridos no setting por ser considerado mais “seguro” do que a pintura, por exemplo. Quem já passou pela Arteterapia como cliente já deve ter se deparado com a sugestão de criar uma “colagem de apresentação”.
Para
começarmos a pensar sobre a colagem e a terapia, é preciso entender que
esta ingressa na História da Arte no século XX, com a Arte Moderna, e está
presente nos processos artísticos até os dias de hoje, seja como técnica ou
como parte de uma construção poética. Sugiro ao leitor um breve passeio pelas
obras dos artistas modernos como Henri Matisse (1869-1954), Pablo Picasso
(1881-1973), Georges Braque (1882-1963), Juan Gris (1887-1927), Max Ernst
(1891-1976), Kurt Schwitters (1887-1948), Hannah Höch (1889-1978) e Hans
Arp (1886-1966), e dos poetas Jorge de Lima (1893-1953) e Ferreira Gullar
(1930-2016). E esse é só o começo de uma incrível viagem ...
Juan
Gris, artista cubista, “tal como Braque, disse ter sido atraído para a colagem
por causa do sentimento de certeza que lhe proporcionava. [...] Braque se
refere aos fragmentos de papel que, mais tarde, foram incorporados aos desenhos
como suas ‘certezas’.” (GOLDING, 1991). Essas afirmações fortalecem a ideia de
“segurança” da técnica defendida pela Arteterapia.
Outro
aspecto importante da colagem é estarmos trabalhando com “algo que já existe”,
“fora” (fotografias, papéis coloridos, objetos, etc.), não exigindo do cliente
habilidades de desenho e pintura, ou ter que “tirar” as imagens de “dentro”.
Mas, precisamos estar atentos ao modo como cada cliente lida com os materiais e
com as técnicas artísticas. O que para um parece assustador, para outro pode
ser um prazer. Por exemplo, enquanto uma pessoa se sente confortável em buscar
imagens prontas e recriá-las numa colagem, para outra esta pode se mostrar uma
tarefa angustiante, buscando nas revistas ou caixas de recortes a imagem que já
tem em mente, preferiria, talvez, criá-la a partir da sua imaginação.
Também
devemos levar em consideração o caso do cliente ser alérgico a tinta ou ter
algum impedimento para pintar. Matisse, em 1939, por motivo de saúde, recorreu
à colagem fazendo recortes com papéis coloridos, nos sugerindo a possibilidade
de pensar o recorte como o ato de desenhar com a tesoura, dando forma à cor, ou
até mesmo como o ato de esculpir, lembrando o artista renascentista
Michelangelo (1475-1564), retirando da cor, do papel colorido, como os
escultores da pedra, o que não é a forma.
Henri Matisse, 1953. Guache sobre papel recortado, colado sobre papel montado em tela. |
Entre os muitos modos de ver a
colagem Hans Arp, artista dadaísta, e Ferreira Gullar, poeta e artista
diletante, vão trazer o acaso para as suas criações. Os dois artistas passam
por uma experiência semelhante. Arp, em episódio frequentemente citado, insatisfeito
com um desenho rasga-o em pedaços que caem no chão e se surpreende com a
expressão da organização “acidental” e aceita o acaso. Gullar muda seu processo
de colagem, que fazia a partir de um desenho prévio, a partir de um “acidente”
com o gato que, ao passar, desarrumou seus recortes. Arp e Gullar integram o
acaso no seu processo criativo, e esse é um caminho muito interessante a ser
explorado na colagem em terapia. A segurança aqui, já começa a ser
relativa.
Max Ernst e Hans Arp, 1920. Colagem com fragmentos de fotografia, guache, lápis, caneta e nanquim sobre papel cartão. |
Max Ernst, artista surrealista, nos
traz novas perspectivas diante da colagem e nos diz: “a técnica da colagem é a
exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado de duas
ou mais realidades estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado,
e um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades.” (ERNST,
apud PASSETI, 2007). “Fracionar e rejuntar, como faz a colagem, não repõe a
unidade quebrada. Ela não pasteuriza nem pacifica. Não tem vocação democrática
se isto for entendido como união de todas as diferenças. Há diferenças que não
cabem em determinadas formas, mas cabem em outras.” (PASSETI, 2007). Podemos
trazer esse pensamento para as relações interpessoais, familiares ou para o
tema da inclusão, por exemplo.
E, se nos depararmos com um cliente
que gosta tanto de colagem que insiste em explorar uma única linguagem? Ele
estaria limitado? Congelado? Defensivo? Ou simplesmente teria encontrado a sua
expressão artística sendo esse o melhor caminho a seguir? São perguntas que
nós, arteterapeutas, precisamos nos fazer.
Como vimos, a ideia de segurança na
colagem é relativa e todas as expressões artísticas são potentes e reveladoras
no processo terapêutico. Nessa “colagem” de pensamentos, diante de um tema
tão extenso, espero ter aguçado a sua curiosidade sobre a colagem tanto na Arte
quanto nas práticas terapêuticas.
E pra você, o que é colagem?
Me conta aqui nos comentários o que pensa sobre o tema!
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Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia.
Maria Madalena Colette18/07/2018 03:30 - ref. artes.locus
ResponderExcluirGostei muito do texto! Para mim as colagens são muito importantes e vão muito além do papel também.