por Flávia Hargreaves
Uma questão que defendo na Arteterapia é a importância do estudo e da prática artística na profissão. Ao longo dos anos, atuando como arteterapeuta e professora, desenvolvi um olhar diferenciado na aplicação do conhecimento da Arte com meus clientes reconhecendo que as suas contribuições estão muito além da manipulação dos materiais expressivos e do uso de obras de arte, recursos muitas vezes aplicados e compreendidos na perspectiva da psicologia.
![]() |
Colagem, Flávia Hargreaves, 2024. |
No texto a seguir, compartilho com vocês uma breve reflexão sobre como podemos abordar as imagens criadas em terapia e como o fortalecimento da sua prática artística pode contribuir em situações desafiadoras diante das produções dos seus clientes.
Não se trata de um estudo científico ou acadêmico, por isso leia como uma conversa.
2 perguntas:
O primeiro passo que proponho é que você responda estas 2 perguntas:
1. Diante do desafio de compreender as imagens criadas na terapia, qual seu nível de frustração e medo de errar?
2. Como anda a sua prática artística?
Estas perguntas/respostas vão te dar um chão por onde caminhar e seguir a conversa.
E lá vem mais uma pergunta:
Quantas vezes ouviu do seu cliente frases como: "Não vejo nada aqui", "Isso não quer dizer nada!" e sentiu que cabia a você, profissional, ter a resposta. Precisamos, neste momento, voltar nosso olhar para dentro e reconhecer como estas afirmações ressoam em nosso íntimo e que afetos ativa. Pense nisso!
Não se trata de desvendar a imagem para o cliente, mas estar preparada para auxiliá-lo no mergulho necessário no seu universo imagético. Este mergulho se contrapõe ao imediatismo em que estamos imersos, desejando respostas e soluções rápidas vindas de fora.
Imagine
Agora convido você a se imaginar com seu cliente diante de uma colagem que ele acabou de criar.
De um lado, ele diz não saber o que significa e quer que você explique já que acredita que como especialista você sabe o que a imagem quer dizer. Eu já passei por uma situação em que o cliente acreditava que eu sabia mas não queria contar, como se tivesse em mãos a chave mágica. E este impasse por si só já era uma imagem dentro da imagem...
Mas vamos retomar o raciocínio, de um lado o cliente se frustra por não compreender a imagem e quer respostas. Do outro lado, você, arteterapeuta, recebe o peso desta expectativa. Vamos imaginar a partir deste exemplo que você também não compreende a imagem. E agora?
Resumindo, a frustração e o sentimento de incapacidade pode ser vivenciado, mesmo que de formas diversas, pelos dois lados: cliente e arteterapeuta.
E como sair desta armadilha?
Proponho que se aprenda a conversar com a imagem e entendê-la para além do resultado. E como fazer isso? Rememorando junto ao cliente todo o processo criativo vivido por ele na elaboração daquela colagem. Lado a lado, observem a imagem. Escute o relato do processo e não tenha receio em destacar alguns pontos desta fala em confronto com a imagem e estabelecer links com produções anteriores, ampliando a conversa.
E o que significa CONVERSAR COM AS IMAGENS?
Tenho o hábito de buscar no google o significado das palavras e já que o verbo CONVERSAR não saía da minha cabeça foi o que eu fiz e o resultado foi o seguinte:
O termo vem do latim conversare que
significava conviver com alguém, voltar sua atenção para uma pessoa. Traz a
ideia de ter intimidade, proximidade e convívio regular.
Com o passar do tempo seu significado principal passou a ser falar com alguém, implicando na participação de todos os envolvidos, onde cada um tem a sua vez para falar e para escutar. Fonte: <https://www.dicionarioetimologico.com.br/conversar/> acessado em 14/11/2024.
Agora convido você a substituir esta "outra pessoa" por "imagem" e teremos algo assim:
No primeiro significado, conversar com as imagens seria ter intimidade, proximidade e convívio regular com as mesmas. E no segundo, conversar com as imagens implicaria em dar voz a elas.
COMO A PRÁTICA ARTÍSTICA VAI AJUDAR NESTA CONVERSA?
No início deste texto defendi que o fortalecimento da prática artística do profissional pode ajudá-lo em situações desafiadoras ao lidar com as produções plásticas dos seus clientes. Neste sentido, o arteterapeuta deve incluir o fazer artístico na sua a rotina promovendo a regularidade, a intimidade e a proximidade que são a base da conversa que estou propondo aqui.
Ao vivenciar os próprios processos criativos e dialogar com suas imagens o arteterapeuta também vai se desprendendo do tempo das respostas imediatas e, aos poucos, conquistando a capacidade de viver o tempo diferenciado da arte e silenciar para ouvir as imagens. Lembra da segunda definição? - Conversar com as imagens implica em dar voz a elas!
CONCLUINDO
Talvez agora você se pergunte: Como vou fazer isso?
Caso sua terapia pessoal inclua a expressão artística, você já está no caminho. A Arteterapia será um excelente espaço para este aprendizado. Além disso, será importante você trazer o fazer artístico para sua rotina, como um momento meditativo e criativo. Outro caminho seria frequentar um ateliê livre que esteja alinhado com a sua busca.
Pra finalizar quero te dizer mais algumas coisas importantes nesta jornada:
1. tenha amorosidade no seu processo, 2. exercite o não julgamento, 3. se afaste de respostas fáceis e rápidas, 4.valide a frustração quando senti-la e aprenda com ela, 5. aceite que as imagens precisam de tempo para se revelar.
Esta mentalidade irá reverberar nos seus atendimentos e na sua carreira.
Me conta aqui nos comentários o que pensa sobre o tema!
Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email: arteparaterapia@gmail.com que ele será publicado.
Flávia Hargreaves é arteterapeuta (AARJ 402/0508), artista e professora de artes para terapia.
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia.
Compreender e auxiliar o cliente a decifrar as mensagens enviadas pelo inconsciente é um grande desafio.
ResponderExcluirSe por um lado devemos evitar opinar para não interferir no processo com o nosso viés, por outro eventualmente vivenciamos a frustração por não entendermos o que determinada imagem revela. No seu texto quando você diz que já vivenciou essa situação e que o "impasse por si só já era uma imagem dentro da imagem...", você tocou num ponto super relevante, que é o de percebermos que os "vácuos" gerados por esses impasses são imagens significativas. Nesse sentido a conversa com as imagens se dá no campo do visível e do invisível, sendo esse último impregnado de sentido.
Gostei muito do seu texto, trouxe excelentes reflexões.
conversar com as imagens pode ser assustador no início pelo medo do desconhecido, mas depois, nos deliciamos ao entender que não é sobre achar respostas e entregá-las e sim sobre explorar.
ResponderExcluir