Esta semana trazemos pra vocês a Parte 2, do ESTUDO DE CASO EM ARTETERAPIA: NOVAS PERSPECTIVAS PARA A VELHICE de autoria de Maria Teresa Rocha.
Se você ainda não leu, clica aqui neste link pra ler a PARTE 1 e depois volta aqui!
https://arteparaterapia.blogspot.com/2025/06/arteterapia-e-as-novas-perspectivas.html
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ESTUDO DE CASO EM ARTETERAPIA: NOVAS PERSPECTIVAS PARA A VELHICE [PARTE 2]
Por Maria Teresa Rocha
RECUPERANDO CAIXAS E OBJETOS
Segundo Aurélio, Reciclar é “tornar a ciclar, fazer novo ciclo”.
Traz a possibilidade de reconstruir uma nova história. O trabalho de recuperação da caixa de fotografias evoluiu naturalmente para recuperar outras caixas e objetos.
Caixa do TESOURO
A caixa de
ferramentas do marido, nós limpamos
e M a pintou de dourado. M deu a
ela outra utilidade, passou a guardar
cartões e cartas antigas de amigos e familiares.
Caixa da BELEZA
Nesta caixa
reorganizamos suas maquiagens. M é muito vaidosa, gosta de passar batom e
pentear os cabelos. Trabalhamos também o autocuidado, a autoestima a conexão com
o corpo e a autoimagem.
Porta Retrato
Recuperamos vários
porta-retratos, simbolicamente representam continentes afetivos e entre eles o
que mais mobilizou M foi o que tem uma foto dela com o marido e o neto, eles estão na praia, sorrindo com o netinho no
colo do avô.
M sempre mostra o
porta-retrato e diz: “eu pintei este porta-retratos, ele estava feio e sem vida
agora está lindo”.
O dourado nos remete
ao que é precioso, ao ouro, antes o porta-retrato era marrom escuro, ao pintar
de dourado ganhou nova vida. M estava atualizando suas lembranças, trazendo
para o aqui e agora, transformando a perda em boas lembranças e assimilando esta
nova fase da sua vida.
O Quadro Esquecido
A
casa sempre foi cheia de quadros pintados pelo marido, todos em lugares de
destaque.
Um dia encontramos o
único quadro que a própria M tinha pintado, M pegou aquele quadro com carinho,
limpou a poeira e disse:
— Quero pendurá-lo na sala.
— Esse é o mais bonito
de todos — ela falou, orgulhosa.
Mais tarde, uma das
filhas me contou que a mãe sempre foi talentosa, mas só o trabalho do pai era valorizado.
E aquele quadro, antes
esquecido, agora estava em lugar de destaque — como um recomeço.
Outros objetos recuperados
Porta Chaves
As chaves da casa já não podiam ficar no porta chaves, M corria o risco de sair de casa sozinha. Nós o pintamos e M passou a usá-lo como organizador de bijuterias. Deu a ele outra finalidade, outro sentido.
M arrumando os
objetos recuperados, guirlanda, crucifixo,
flores e a estrela de cipó.
A casa restaurada
A casa foi ficando mais colorida, M foi reencontrando um lugar de prazer. Além de estar também, trabalhando atenção, foco, memória, coordenação motora, fala , criatividade e expressão. À medida que o trabalho avançava, ela falava com orgulho dos elogios dos filhos e dos netos e da surpresa de todos.
M já não se deixava envolver completamente pela dor do luto, havia reencontrado um equilíbrio interior que se expressava em gestos concretos. Sua dedicação as artes manuais florescia como terapia silenciosa, e eu notava a transformação – os olhos antes opacos ganhavam um brilho de curiosidade e satisfação. A família comentava sobre a melhora de M, essa reinvenção diária. Até nas consultas com a geriatra ela surpreendia: quando uma pergunta a desfiava, respondia com humor, como se transformasse lacunas de memória em pequenas performances. Era sua maneira de lidar com as limitações da idade, sendo criativa onde as palavras faltavam.
Colagem
Iniciamos um novo processo explorando a colagem, um técnica que conecta, organiza, estrutura e harmoniza elementos diversos.
Na primeira etapa, utilizamos cartolina como suporte, mas aos poucos, a prática expandiu-se para as paredes do quarto e do corredor, transformando os espaços em suporte criativos.
M coletava imagens em revistas, calendários antigos, folhetos religiosos e de farmácia, aproveitando materiais que já tinha em seu ambiente doméstico. Seus filhos também participavam ativamente, contribuindo com revistas e outros itens que encontravam, tornando o processo uma experiencia colaborativa e afetiva.
E a casa de M estava se tornando um grande ateliê.
Colorindo Mandalas
com lápis e cor.
Uma das filhas levou
de presente para M um livro de colorir com o tema Mandalas, M gostou muito e
iniciamos uma nova etapa nos atendimentos.
Colorir mandalas é
uma prática que oferece benefícios físicos, emocionais e mentais. Reduz o
estresse e ansiedade, induz a um estado de relaxamento e meditação. Estimula a
concentração, ancora a mente no presente, ajuda a focar. As cores escolhidas
podem revelar emoções, estimula a expressão
emocional não verbal e a criatividade.
M coloriu com muita
habilidade seus mandalas, muito
concentrada e ao final demonstrava muita alegria com o trabalho realizado.
As mandalas também
passaram a fazer parte da decoração da casa de M.
Histórias, contos e
poesias..
Tudo começou com um
caderno de poesias em francês, deixado pela mãe de M. Ela adorava ler essas
poesias para mim, traduzindo cada verso com carinho. Enquanto lia,
mergulhávamos em suas memórias de infância em Olinda — histórias de seus pais,
irmãos, da escola e até lembranças da Segunda Guerra Mundial, época em que seu
pai, militar, e a família vivia próximo a uma base americana no Nordeste.
M gosta de ler e
ouvir Contos de todos os tipo. Alguns foram tão especiais que ela me pedia para
eu contar repetida vezes, como:
O Velho que Fazia as Árvores Mortas Floresceram - conto Japonês, que
fala sobre a transformação, o grande ciclo da vida-morte-vida.
O Peixe Luminoso - conto Italiano, que tem como tema o velho como farol
que ilumina a caminho dos mais jovens.
Vasalisa, a Menina Sabida - conto Russo que trata do resgate da intuição. Transformamos estes contos em arte. M fez com minha ajuda a bonequinha da Vasalisa, que simboliza a intuição.
Pintou árvores em papel, em suporte tridimensional de madeira, e criou uma escultura em arame flexível e cola de isopor, que simboliza, no conto, o processo de vida-morte-vida, os ciclos da vida.
Coloriu com glitter um lindo Peixe luminoso, que na história o peixe simboliza o farol que ilumina o caminho para os mais jovens.
Cantar, dançar, se expressar
Ouvir músicas, cantar, dançar, sentir o corpo tocar e ser fazem parte da nossa do dia a dia de M. O Alzheimer também está presente, ela precisa de ajuda para realizar todas as suas tarefas, sua casa é administrada pelas filhas e M está sempre acompanhada, não pode mais ficar sozinha.
No inicio ela reagia contra, não aceitava, brigava com as acompanhantes, chorava. Hoje ela aceita ajuda, tem um ótimo humor, mesmo que tenha dificuldades, sua vida tem qualidade, o seu presente não é feito só de perdas.
A experiência com o caso relatado mostrou que, através da Arteterapia M pode vivenciar o seu luto, passou por ele e seguiu em frente. Além disso, M teve qualidade de vida, mesmo com os sintomas do Alzheimer avançando. Os filhos valorizaram e souberam da importância desse trabalho terapêutico; acompanhei M por três anos. Sua casa ficou tomada de caixinhas pintadas, de objetos recuperados e de paredes cheias de colagem, e seus filhos a incentivaram com elogios, e M ficava muito satisfeita. “Minha vida é boa, não posso reclamar”, dizia ela.
Meu trabalho foi focado
no presente, no que podia ser feito naquele
momento. M saiu
de um estado de tristeza e de dificuldade para aceitar ajuda, para um
estado de leveza, alegria e socialização, vivendo o
presente, um dia de cada vez.
Nesse caso relatado,
portanto, a Arteterapia cumpriu sua função
maior, ao permitir que, naquela etapa da
vida, M mesmo diante das severas
limitações impostas pela velhice e pela doença, pudesse
ter momentos plenos e felizes.
Em sua última colagem selecionou uma imagem de revista da Festa de Parintins que trazia o texto:
“Momentos de alegrias que vivemos juntos
são suficientes para amar o resto da vida”.
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NOTA 1: As imagens utilizadas nos trabalhos de colagem foram retiradas do acervo de revistas, folhetos e recortes da cliente e as referências das mesmas se perderam com os anos. Mas optei por incluir as imagens neste artigo para ajudar na compreensão do processo arteterapêutico.
NOTA 2: A apresentação deste estudo caso foi autorizada pelos familiares.
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