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DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO NO PROCESSO ARTETERAPÊUTICO.


por Flávia Hargreaves


O texto a seguir aborda a importância do desenvolvimento artístico no processo de arteterapia, destacando como pode ajudar os clientes a se reconectarem com sua criatividade e auto-expressão.
E é também uma provocação que tem como objetivo principal despertar no profissional de Arteterapia um olhar diferenciado para o curso da arte no processo terapêutico, iluminando algo que ocorre diante de seus olhos mas que é praticamente ignorado ou colocado em um lugar de pouco valor!


imagem: Olivia desenhando no ateliê.Locus, 2019.


Para avançarmos nesta reflexão, a primeira pergunta que precisará responder é se você reconhece o DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO NO PROCESSO TERAPÊUTICO do seu cliente.

Você já sabe que ao explorar os meios expressivos, desenhando, pintando, modelando ou escrevendo na terapia, a pessoa está vivendo um processo de auto-descoberta. O desenvolvimento artístico implica na experimentação e no exercício que leva ao aprimoramento de técnicas. Na arteterapia constato muita resistência com relação a técnica que, equivocadamente, é colocada como algo que atrapalha a expressão espontânea, quando na verdade facilita inclusive a capacidade de improvisação e de ir além do que se sentia capaz de realizar. É importante compreender a técnica como algo que a pessoa busca de acordo com o seu interesse e pode ser criada por ela mesma em suas tentativas. O que impede a espontaneidade não é ter técnica, mas a auto-exigência, o perfeccionismo, o imediatismo e crenças limitantes construídas desde a infância. O desenvolvimento artístico vai revelar forças que até então não eram visíveis e que poderão ajudar em muitos aspectos da vida. 


Desenvolvimento artístico em clientes sem habilidades.

Vou compartilhar um exemplo em 3 etapas:

1. Um cliente adulto chega às primeiras sessões de Arteterapia se desculpando por sua falta de habilidade. Diz que seus desenhos parecem infantis e demonstra frustração ao finalizar seus trabalhos expressivos. 

2. Com o passar das sessões, o cliente começa a se reconectar com a sensação prazerosa de criar que experimentou na infância. Recorda que adorava colorir revistinhas e percebe que essa prática foi se afastando de sua rotina à medida que crescia.  Lembra das críticas e comparações que enfrentou na escola, o que resultou na perda de autoconfiança e do prazer em criar. Gradualmente, ele percebe que a Arteterapia pode ajudá-lo a recuperar esse prazer, permitindo a criação sem críticas ou modelos pré-concebidos. Assim, ele começa a desenhar e colorir em todas as sessões.

3. A prática semanal com o lápis de cor promove um avanço natural em sua técnica. O cliente começa a desenhar com mais confiança e liberdade, misturando as cores com mais desenvoltura e começa a se surpreender com o resultado. Esta habilidade desenvolvida favorece sua auto-expressão e nesta caminhada terá vencido muitos bloqueios.

O desenvolvimento artístico conquistado se entrelaça com as questões que precisam ser elaboradas na terapia. Aprender a lidar com a tensão entre querer e não se sentir capaz é só um dos pontos que podem vir à tona no processo.


Arteterapia e o despertar do artista.

Para aqueles que não têm experiência artística, como no exemplo acima, a terapia se torna uma oportunidade de reencontro e reconexão com o artista que reside dentro deles. Muitas vezes as pessoas relembram momentos da infância como a alegria de colorir desenhos ou aprender pontos de crochê com a avó. Infelizmente crenças limitantes como a ideia de que não têm talento podem ter se instalado ao longo do tempo. Frequentemente alimentadas por críticas e comparações na escola. Esses bloqueios emergem ao iniciar a Arteterapia e precisam ser desconstruídos para que se autorize a criar.

Reconhecer e qualificar cada passo na superação dos bloqueios criativos, tornando visível a desenvoltura na sua prática expressiva, permite que o cliente se encontre verdadeiramente com sua auto-expressão através da arte. Esse processo colabora para seu fortalecimento diante dos desafios da vida pessoal.


Desenvolvimento artístico em clientes artistas.

Precisamos lembrar que o desenvolvimento artístico é algo contínuo e também estará ativo quando o cliente tem a Arte como profissão (artistas visuais, designers, ilustradores, professores de artes, etc.). Este perfil de cliente não vai viver na terapia inibições relacionadas a técnica, mas suas criações no setting terapêutico também serão desafiadoras e reveladoras. Caberá ao arteterapeuta acolher a técnica e o estilo já desenvolvidos pelo artista e oferecer um espaço livre para o exercício da sua arte, sendo ele, cliente, o próprio tema. Não devemos atrapalhar o seu processo com ações discordantes ao sugerir que a sua técnica não é bem-vinda, como se atrapalhasse a sua expressão espontânea.


2 erros comuns a evitar

Com relação ao perfil de cliente sem habilidades artísticas, não se deve dizer frases como: "na arteterapia não precisa ser bonito" ou usar adjetivos como "está lindo" quando o cliente já deixou claro que não está satisfeito com o resultado. O profissional precisa acolher e validar a frustração do cliente e relativizar o excesso de autocrítica com exemplos da própria Arte. Será preciso saber o que a pessoa acredita ser bom ou ruim, quais são as suas referencias e expectativas. O arteterapeuta vai ajudar a pessoa a descobrir seus pontos fortes e materiais capazes de promover uma experiência prazerosa. O desenvolvimento da técnica será o resultado desta experiência que combina desafio e prazer.

Com relação ao segundo perfil, um erro comum é o arteterapeuta acreditar que o conhecimento teórico e técnico do cliente deve ficar de fora, interditando o acesso de uma parte essencial da pessoa. Neste caso o mais importante é a compreensão de que no espaço da terapia ele não é um artista profissional que precisa responder às expectativas do outro. Aquele é um espaço pessoal e protegido para acolher suas dores e dúvidas. E é bem provável que o percurso deste artista na arteterapia afete a sua Arte.


Para finalizar, queria dizer que para atender esses dois perfis de clientes na Arteterapia, o profissional precisa vivenciar sua própria arte e seus processos criativos, descobrindo-se na exploração de materiais e linguagens. Será preciso incluir nos seus estudos continuados o estudo e a prática artística e se desenvolver na linguagem com a qual se identifique. Frequentar um ateliê livre que reúna participantes com muita técnica e sem técnica alguma será uma oportunidade de crescimento e compreensão do desenvolvimento artístico dos seus clientes.


Quero muito saber a sua opinião, ver seus comentários!

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Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email: arteparaterapia@gmail.com que ele será publicado. 

Obrigada.






Flávia Hargreaves é arteterapeuta (AARJ 402/0508), artista e professora de artes para terapia.

Graduada em Comunicação Visual (EBA- UFRJ-1989)
Licenciatura Plena em Educação Artística - Artes Plásticas (EBA-UFRJ- 2010)
Formação em Arteterapia com Ligia Diniz (2009)

Participou como docente de História da Arte nos cursos de Formação em Arteterapia (Ligia Diniz, Baalaka e Leiza Pereira) e Artepsicoterapia (Coord. Maria Cristina Urrutigaray).
Em 2017 fundou o ateliê Locus, onde oferece cursos, ateliês livres e atendimentos em Arteterapia.
Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009). 
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia. 
 

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Contato
arteparaterapia@gmail.com



Comentários

  1. Sandra Pinto3/2/25 22:02

    Gostei muito da sua abordagem ao pontuar a diferença entre um cliente que conhece técnicas artísticas, e o que desconhece, bem como sobre o acolhimento e o cuidado que devemos ter com relação à essas diferenças.
    No início da minha formação em Arteterapia eu desenhava bonecos palito. Aquilo me trazia desconforto, mas também trouxe a vontade de melhorar, afinal na minha turma duas colegas eram professoras de arte. Elas foram um incentivo pra mim. Fiz aulas de desenho e ganhei confiança para me expressar, além de entender a importância do aprendizado da arte na prática terapêutica.

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