Quando penso no efeito que uma imagem produz, no sentido da sua sacralidade, penso no mistério que une o corpo e a alma, penso no logos e no eros, não como entidades separadas, mas em perfeita comunhão.
IMAGEM & ESCRITA NA VIDA E NA ARTETERAPIA.
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Montagem fotográfica editada no Canva por Flávia Hargreaves, 2024. |
mas manter o olhar não aprisionado pelo que se vê;
aberto ao invisível"
Sempre gostei de escrever. Poemas e outros escritos. Durante algum tempo, dada a exigência profissional, fiquei restrita à produção de cartas, ofícios, relatórios e projetos mas, sempre que possível, mesmo que de forma intermitente, buscava dar vazão à imaginação por meio da escrita. Nesse momento ainda não estava conectada às imagens.
Foi durante minha formação em Arteterapia que me dei conta do valor da produção imagética na ampliação do olhar, e como inspiração poética. A conexão entre imagem e escrita ficou cada vez mais evidente na minha produção. Sentia uma necessidade orgânica de escrever sobre o que não estava visível a olho nu. Era como se as imagens dialogassem comigo e pedissem para ser desenhadas, também, através das letras.
Numa aula sobre fauvismo do curso de Arte Moderna para Terapia da Flávia Hargreaves, pintei um boneco flamejante, boiando no espaço sideral. Pinóquio surgiu sem que eu tivesse intenção de pintá-lo. Além da imagem, entrei na pele do autor, Carlo Collodi, e poetizei o nascimento de Pinóquio. Nesse momento a imagem entrou em ação, literalmente.
Em outra
oportunidade meu olhar transcendeu o real e enxerguei, através de uma
janela, torres de uma catedral em lugar de ciprestes. Essa visão me inspirou
a escrever o poema Catedrais, sobre
se ver algo que de fato não está ali.
o que teu olho vê?
realidade ou fantasia?
qual é o teu olhar?
o que conserva a realidade a qual se habituou,
ou o que te faz co-criador de mundos?
como converter olhares,
se o teu próprio continua rígido?
aperte a menina dos olhos
ela gosta das cosquinhas feitas pelas pálpebras
transgrida as fibras das retinas
permita que o espectro da luz viaje
para além do quadrado
veja circular
nada é o que aparenta ser
aquilo que um dia jurou conhecer
desmancha na tua língua
feito algodão doce
precisamos dessa doçura
desse derretimento do olhar
amanteigar para enxergar
catedrais atrás das vidraças
converta-se!
Segundo Carl G. Jung, experienciar o numinoso [1] é contatar o sagrado. É uma experiência que independe da nossa vontade, está presente nos campos da visibilidade e da invisibilidade, e sua influência causa uma peculiar alteração na consciência. Para mim a escrita poética nasce nesse lugar, na experiência com o numen, na abertura ao invisível citada por Leloup.
Quando penso no efeito que uma imagem produz, no sentido da sua sacralidade, penso no mistério que une o corpo e a alma, penso no logos e no eros, não como entidades separadas, mas em perfeita comunhão. A escrita poética, que nasce da percepção da sacralidade a partir de um objeto, não deseja explicar ou enquadrar racionalmente a imagem, mas funde-se à ela numa manifestação erótica.
A meu ver, a associação de uma imagem, produzida pelo próprio sujeito ou não, com a escrita espontânea (poética) propicia o desdobramento dos símbolos e a conexão do sujeito com sua alma, sendo muito bem vinda na prática arteterapêutica.
[1] Samuels, Andrew e outros - Dicionário crítico de análise junguiana, ed Imago, 1988) "... Jung via o encontro com o numinoso como uma característica de toda experiência religiosa. A numinosidade é um aspecto de uma imagem de deus supra-ordenada, quer pessoal quer coletiva."
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Autora convidada: Sandra Pinto.
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ARTE PARA TERAPIA - criação e coordenação Flávia Hargreaves.
Em 2021 criou o projeto Arte para Terapia oferecendo cursos online de História da Arte para Terapia.
Excelente texto. Grata.
ResponderExcluirSeja bem-vinda Roseli. Que bom que curtiu o texto da Sandra! É um estímulo a colocarmos a nossa criatividade em ação de modo espontâneo e livre. Aproveite para passear aqui no blog e descobrir mais assuntos do seu interesse.
ExcluirAdorei o texto. A imagem é a forma que a alma encontra para se comunicar plenamente, sem censuras ou amarras. A imagem está no nível do sagrado em nós.
ResponderExcluirQue bom te ver por aqui Sonia. Quando nos expressamos poeticamente e nos permitimos a espontaneidade libertamos algo precioso em nós.
ExcluirMuito bom o texto! Me lembrei de uma citação do Rudolf Steiner. " De dentro do teu coração uma radiante luz assoma, de onde a imagem...vem surgindo. Palavras posso ouvir provindo dela; soam assim: "Eu conquistei em mim a força que levará à luz".
ResponderExcluirLinda citação Vanda. Luz, Imagem, Palavras, Força, Luz.
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